
Foi assim que um dia resolvi responder a um pedido de um jovem brasileiro que pretendia corresponder-se com uma menina de Portugal dando início a um contacto que em breve daria origem a uma grande amizade que se prolongou por uns vinte anos.
Entrámos praticamente juntos na crise de uma adolescência partilhando todas as nossas alegrias e decepções.
Relia à noite as suas enormes cartas em que comentava a situação do Brasil de então, as dificuldades para se arranjar um emprego, os seus problemas para se manter na faculdade.
Imaginava-o fechado no seu quarto, ao entardecer, escrevendo-me cartas e postais enquanto contemplava distraído o evolar do fumo do seu cigarro.
Tratava-me carinhosamente por Emi e no meu aniversário, mais semana, menos semana, recebia um postal bonito e as palavras quentes de quem se sente ligado pelo coração.
Sujeitávamo-nos ao roubo constante de pequenos nadas que enviávamos dentro dos sobrescritos que eram continuamente violados, nunca percebi se aqui em Portugal ou lá no Brasil.
Chamava-se Meinardo, nome de flor, e foi sempre um companheiro presente, através de carta, nos grandes momentos da minha vida como foi o do casamento e nascimento dos meus filhos.
Ao fim de todos estes anos perdi as suas cartas e apenas guardo os postais com paisagens diversas do Brasil incluindo João Pessoa, zona onde vivia.
E também as fotos. As primeiras ainda muito menino e depois mais tarde já um homem de aspecto bondoso e olhar sonhador.
As cartas foram diminuindo em tamanho e frequência.. A minha nova vida de empregada bancária, o casamento, os filhos, o recomeçar dos meus estudos, não me permitia a disponibilidade necessária para continuar a escrever as longas cartas de outrora.
Mas houve uma altura em que deixei de receber a sua correspondência não respondendo sequer à insistência das minhas cartas que exigiam uma resposta breve. Vários meses se passaram até que um dia recebi um envelope debruado com as cores do Brasil que depois de aberto deixou cair um pequeno embrulhinho no meu colo e onde alguém escrevera “Abrir só depois de ler a carta”.
Saltando de linha em linha, fui lendo o relato plangente feito por um seu irmão que me contava de forma breve mas cautelosa, a morte de Meinardo no mar ao tentar salvar um primo arrastado pela ondulação forte quando brincava na praia .
Abri finalmente o embrulhinho que nada mais era que um pequeno cartão com a sua fotografia, a data de nascimento, 23.11.49 e a do seu falecimento, 3.3.80 (quatro dias antes do meu aniversário)
Li dificilmente entre lágrimas este elogio fúnebre: Ele descansa em paz. Seu nome hoje se encerra mas em nossos corações há-de permanecer. Cumpriu nobre missão sobre a face da terra: foi bom filho, bom irmão, bom tio, bom primo e bom amigo. Soube amar e sofrer.
Ainda hoje, quando folheio o álbum onde guardo as minhas recordações de menina, sorrio ao olhar uma foto que exibe o seu doce rosto e que tem escrito no verso uma frase que o tempo conseguiu dissipar a sua risibilidade “Basta me esquecer quando esta foto falar”