2008-11-17

Não te esqueci, meu amigo

No meu tempo de adolescente uma das maneiras para se iniciar correspondência com alguém desconhecido era ler vários anúncios publicados nos jornais diários.
Foi assim que um dia resolvi responder a um pedido de um jovem brasileiro que pretendia corresponder-se com uma menina de Portugal dando início a um contacto que em breve daria origem a uma grande amizade que se prolongou por uns vinte anos.
Entrámos praticamente juntos na crise de uma adolescência partilhando todas as nossas alegrias e decepções.
Relia à noite as suas enormes cartas em que comentava a situação do Brasil de então, as dificuldades para se arranjar um emprego, os seus problemas para se manter na faculdade.
Imaginava-o fechado no seu quarto, ao entardecer, escrevendo-me cartas e postais enquanto contemplava distraído o evolar do fumo do seu cigarro.
Tratava-me carinhosamente por Emi e no meu aniversário, mais semana, menos semana, recebia um postal bonito e as palavras quentes de quem se sente ligado pelo coração.
Sujeitávamo-nos ao roubo constante de pequenos nadas que enviávamos dentro dos sobrescritos que eram continuamente violados, nunca percebi se aqui em Portugal ou lá no Brasil.
Chamava-se Meinardo, nome de flor, e foi sempre um companheiro presente, através de carta, nos grandes momentos da minha vida como foi o do casamento e nascimento dos meus filhos.
Ao fim de todos estes anos perdi as suas cartas e apenas guardo os postais com paisagens diversas do Brasil incluindo João Pessoa, zona onde vivia.
E também as fotos. As primeiras ainda muito menino e depois mais tarde já um homem de aspecto bondoso e olhar sonhador.
As cartas foram diminuindo em tamanho e frequência.. A minha nova vida de empregada bancária, o casamento, os filhos, o recomeçar dos meus estudos, não me permitia a disponibilidade necessária para continuar a escrever as longas cartas de outrora.
Mas houve uma altura em que deixei de receber a sua correspondência não respondendo sequer à insistência das minhas cartas que exigiam uma resposta breve. Vários meses se passaram até que um dia recebi um envelope debruado com as cores do Brasil que depois de aberto deixou cair um pequeno embrulhinho no meu colo e onde alguém escrevera “Abrir só depois de ler a carta”.
Saltando de linha em linha, fui lendo o relato plangente feito por um seu irmão que me contava de forma breve mas cautelosa, a morte de Meinardo no mar ao tentar salvar um primo arrastado pela ondulação forte quando brincava na praia .
Abri finalmente o embrulhinho que nada mais era que um pequeno cartão com a sua fotografia, a data de nascimento, 23.11.49 e a do seu falecimento, 3.3.80 (quatro dias antes do meu aniversário)
Li dificilmente entre lágrimas este elogio fúnebre: Ele descansa em paz. Seu nome hoje se encerra mas em nossos corações há-de permanecer. Cumpriu nobre missão sobre a face da terra: foi bom filho, bom irmão, bom tio, bom primo e bom amigo. Soube amar e sofrer.
Ainda hoje, quando folheio o álbum onde guardo as minhas recordações de menina, sorrio ao olhar uma foto que exibe o seu doce rosto e que tem escrito no verso uma frase que o tempo conseguiu dissipar a sua risibilidade “Basta me esquecer quando esta foto falar”

2008-11-02

Salamandras e Jeropigas

Dizem aqui na terra que quando se vêem salamandras é sinal que vai chover.
Pois há dias ao abrir a porta da cozinha quase ia tropeçando nesta lindíssima salamandra que erguida nas patas dianteiras e com a cabeça bem levantada, me vinha anunciar a chuva para breve. Só que deve ter vindo de muito longe e ao chegar aqui já chovia torrencialmente :)

- Obrigadinha, D. Salamandra! Mas não valia a pena incomodar-se tanto!...

A salamandra comum é um anfíbio Salamandra salamandra, ovovivípara, possui corpo negro com manchas amarelas por vezes avermelhadas de diversas formas e cauda longa. É animal nocturno, vive em locais de matas húmidas e frescas no nosso país, com necessidade da proximidade de água para a fêmea pôr as suas larvas (20 a 40) dentro de água. No entanto, depois de adulta perde a capacidade de nadar. Pode viver até aos 30 anos.
Perseguida desde sempre pelo homem que receia a peçonha ou a mordedura, no entanto não morde e a secreção cutânea irritante que usa para se defender dos predadores não nos afecta mesmo quando a seguramos na mão.
A da fotografia fartou-se de andar de mão em mão e embora enervada tentando sempre fugir, não deixou nenhuma irritação na pele.
Os antigos acreditavam que a salamandra era um animal demoníaco movimentando-se naturalmente por entre as chamas.
Ainda hoje é possível ver aparecer uma salamandra por entre as labaredas de uma lareira. Não por ser o seu habitat mas porque gosta de procurar durante o dia a frescura no interior de troncos velhos. E quando estes são apanhados e lançados na fogueira, as pobres tratam de fugir tendo realmente alguma resistência que se julga ser devido à tal secreção cutânea que as protege um pouco da queimadura das chamas.
O nome de salamandra que se dá aos aquecedores a lenha feitos em ferro, tem a ver precisamente com esta associação
É uma pena que seja tão detestada pelo homem uma vez que é utilíssima por se alimentar de moscas, mosquitos, caracóis, lesmas, centopeias, formigas, etc.

E agora sobre jeropiga:
Há umas semanas atrás comentava com o meu pessoal que tinha pena de não termos feito jeropiga. Primeiro porque não sabemos fazer, segundo porque não temos vinha e terceiro porque todos os vizinhos já tinham vindimado e a jeropiga é feita com o sumo de uva antes de fermentar. Mas um dos nossos auxiliares, homem prestável e sempre atento a estes pequenos desejos, andou a vindimar numa vinha abandonada e apareceu no dia seguinte, todo satisfeito com dois sacos cheios de cachos de uva branca e preta.
Ofereceu-se para ser ele mesmo a fazer e assim ensinar-nos.
Como era pouca quantidade decidiu-se espremer os cachos na prensa.



Depois de umas valentes espremedelas - porque é preciso ter força para esmagar os cachos - começámos a obter o sumo de uva, conhecido por mosto.



Obtivemos 9 litros de mosto ao qual se juntou 3 litro de aguardente (é esta a proporção). Mexeu-se muito bem e deixou-se descansar por algum tempo dentro de garrafões por não termos nenhum barril de madeira.
Na semana passada vimos que estava límpida e com um monte de borras depositado no fundo. Devia estar mais tempo sem ser mexida para ir ganhando mais sabor. Mas estávamos apressados para a preparar para o feriado de Todos-os-Santos e por isso enchemos duas garrafas e filtrámos o líquido usando um filtro dos de café..
Quisemos experimentar a clarificação natural que se usa no fabrico de licores e que consiste em juntarmos uma casca de ovo partida e uma clara ao licor, mexendo bem e deixando em repouso por 24 horas até se filtrar novamente
Deitámos uma clara de ovo e a casca esmagada à mão para dentro de uma das garrafas e deixámos a descansar.
No dia seguinte depois de tornarmos a filtrar, reparámos com alguma tristeza que tinha ficado demasiadamente baça o que nos desencorajou e nos levou a arrumar a garrafa e esquecermo-nos dela.
Ontem resolvemos fotografar as nossas bebidas e foi com satisfação que vimos que estavam ambas com um belíssimo aspecto.
Aqui vai a foto para verem a mesma jeropiga com o aspecto natural (a mais escura) e a clarificada com a clara de ovo, notando-se ainda algum depósito no fundo da garrafa




Mas como disse, foi apenas uma experiência. Na verdade apreciamos mais a sua cor natural que depende do tipo de uvas utilizado.
É muito agradável bebericá-la enquanto se vai saboreando um prato de castanhas assadas… ou cozidas… ou fritas e polvilhadas com canela :))