2006-12-26

O Pai Natal mudou de perfume













Para todos os amigos que nos escreveram a perguntar como foi o Natal deste ano, aqui fica uma foto que mostra o simpático Pai Natal que encantou todas as crianças com as suas graças e os seus presentes.
Até nós, os adultos, ficámos rendidos à sua simpatia e aos magníficos presentes com que nos mimoseou.
Ah, e desta vez não cheirava a vick mas sim a lavanda :)), o que era muito mais agradável.
Obrigada a todos os amigos que nos seguem com tanta atenção e carinho. Esperamos que todos vós também tenham tido um Natal na companhia de quem mais gostam e num ambiente de Paz e Amor
Um grande abraço

2006-12-18

Parêntesis de Natal

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Na minha casa de infância não se vivia o Natal religioso. Era um Natal pagão com a figura do Pai Natal que premiava igualmente as boas acções mas nunca sendo mãos largas por muito bonzinhos que tentassemos ser.
As recordações mais antigas, a partir dos meus 3 ou 4 anos, não me trazem a imagem do velho de vermelho e longas barbas. Éramos pobres e sem dinheiro para este tipo de disfarces. Não havia Ceia de Natal e jantávamos simplesmente como todos os dias, os mesmos de sempre: eu, a minha irmã e os meus pais. O jantar era um momento de grande tensão: eu era muito vagarosa a comer por nunca ter apetite e, naquelas noites, com a perspectiva da visita de tão ilustre personagem, a comida ainda mais demorava a escorregar pela garganta. Os meus pais andavam de volta de mim já desesperados, ameaçando com a ausência do velhinho face à minha lentidão a comer. Quanto mais diziam, mais me enervavam e menos conseguia engolir… Por fim, rendidos à minha falta de energia, tiravam-me o prato da frente e mandavam-nos, a mim e à minha irmã, para o quarto. Ali ficávamos com o coração aos pulos até ouvir aqueles murros na porta de entrada e uma voz rouco-esganiçada a perguntar se era ali que morava a menina Ana e a menina São. A minha mãe respondia que sim. E elas têm-se portado bem? - perguntava a voz assustadora.  E a minha mãe: Sim, sim, senhor Pai Natal!  E a voz num tom mais alto para se fazer ouvir no quarto: Bom, trago-lhes aqui algumas coisas e digam à menina Ana que se continua a comer como come, se calhar para o ano não apareço por cá!.
Quando ouvíamos a porta fechar com estrondo, saíamos do quarto a correr. Os presentes eram normalmente coisas que precisávamos: uma camisola que chegava aos joelhos para acompanhar o nosso rápido crescimento ou uns sapatos dois números acima pelas mesmas razões. Mas havia sempre qualquer coisinha que fazia os meus encantos: um pato bebé que passava a ser a minha companhia diária, dormindo comigo e tomando banho no mesmo alguidar que eu, fugindo de casa logo que estava grande e gordo, não conseguindo relacionar o desaparecimento do bicho e a canjinha oferecida nesse mesmo dia… ou um ratinho cinzento olhando para mim dentro da caixa de sabão, ainda meio esfalfado pela correria que teve que fazer no corredor da casa tentando evitar ser capturado.
Mais tarde, a partir dos meus 5 anos, já aparecia o velhinho todo marreco, vestido de vermelho, de barbas brancas meio descoladas que cheirava a Vick Vaporub que tresandava (substância pastosa que serve para fixar o algodão por breves minutos). Eu mantinha-me respeitosamente a alguma distância, respondendo às perguntas que ele me fazia, olhando curiosa para as luvas pretas que escondiam as mãos. De vez em quando aproximava a cabeça meio confundida por reconhecer nele o cheiro do corpo da minha mãe... outras vezes do corpo do meu pai. Mas a dúvida assim como aflorava também se dissipava logo a seguir. Horas depois era um deles que continuava a cheirar a vick. Sabe-se lá porquê.
Hoje temos muitas crianças na família, felizmente. E, ao jantar, ouço-as combinar entre si o que vão fazer ao Pai Natal: apalpar-lhe a roupa para ver se a barriga é a sério… puxar-lhe as barbas para ver se são verdadeiras... ameaças proferidas entre risos pelas mais velhas causando admiração e respeito das mais novitas. Mas depois do jantar, esperam ansiosamente por ele esborrachando os narizes nos vidros das janelas e soltam gritos histéricos quando vêem lá ao longe uma figura a caminhar por entre as árvores da mata com uma lanterna na mão e a repenicar uma sineta. Logo a seguir todas ficam em silêncio, de boca aberta quase deixando ouvir os seus coraçõezinhos a bater desordenadamente. E o vulto caminha meio desorientado,  ora aproximando-se, ora afastando-se mais, procurando a casa no meio da escuridão, tarefa difícil por estar quase às escuras, apenas iluminada por algumas velas para criar uma penumbra expectante como convém e 
fazendo a criançada desesperar.  Quando finalmente ele assoma à janela com as barbas erguendo-se ao vento e apontando para cada um de nós com o feixe de luz da lanterna, o nervosismo dos miúdos é tal que nem se atrevem a abrir-lhe a porta, quanto mais apalpá-lo ou puxar-lhe pelas barbas. São os adultos que abrem a porta ao velhinho ao som do "Joy to the World" e, sempre à luz das velas, somos chamados um a um, recebemos uma festa na cabeça, um conselho e um presente. Dizia o mais pequenito no ano passado: - Ó Pai-Natal, mas não faças ho-ho-ho porque eu tenho muito medo!
E ele não fez.
Saber que afinal o Pai Natal não existe, não é motivo de traumas. Quando se informa o mais crescido que o Pai Natal somos todos nós e que ele foi o escolhido para representar essa figura no próximo ano, a alegria é enorme e começa logo a magicar no que irá fazer para enganar os outros miúdos. As interpretações cénicas são tão bem feitas e divertidas que obrigam os adultos a fazer um esforço danado para não desatarem a rir perante o ar espantado dos mais novinhos.

É tão bom acreditarmos no Pai Natal que não nego essa alegria aos miúdos, antes pelo contrário. Sei que um dia se irão recordar destas cenas com muita saudade, tal como eu.

A todos os nossos amigos, companheiros e visitantes anónimos, os desejos de um Bom e Feliz Natal.

2006-12-13

A Nabada do Convento de Semide

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Semide é uma freguesia pertencente ao Concelho de Miranda do Corvo, distrito de Coimbra. Esta povoação nos finais do séc. XI pertencia a D. Anião da Estrada, fidalgo das Astúrias e senhor de Góis. Este teve 3 filhos: D. João de Anaia que foi bispo de Coimbra, D. Martin Anaia que foi cavaleiro nas lutas pela independência e D. Maria Anaia. Os irmãos Anaia, com os bens que dispunham, resolveram construir um mosteiro cuja carta de doação foi passada por D.Afonso Henriques em Abril de 1154 e que se destinava aos monges beneditinos. Em 1183 passou a convento de freiras para receber as descendentes de Martin Anaia. Em Agosto de 1896 extinguiu-se a comunidade beneditina de Santa Maria de Semide com a morte da última freira e as instalações acabaram por ser aproveitadas mais tarde para a Escola Profissional de Agricultura. Deste convento primitivo já nada resta. A parte mais antiga que ainda existe, é o claustro quinhentista, construído em 1540. Infelizmente este monumento foi muito castigado pela série de incêndios que sofreu: o primeiro foi em 1664 destruindo a maior parte do edifício. Os mais recentes foram em 1964 que destruiu a parte poente do convento, depois em 1987 devido a um curto-circuito e o último em 1990 que destruiu o Claustro Velho, a Casa do Capítulo, a sacristia e também vários livros e documentos de valor incalculável. De todo o conjunto é de salientar actualmente a Igreja com um retábulo e cadeiral em madeira dos finais do século XVII, altar-mor também do século XVII, azulejos policromáticos do séc. XVIII, esculturas dos séc. XVII e XVIII e o órgão da segunda metade do séc. XVIII.
Em 2000, durante a empreitada de consolidação das paredes do convento foi descoberta a fornalha de um fogão primitivo embutida no chão em que a combustão se efectuava através de um túnel em tijoleira e que remonta aos séc. XVII e XVIII. Entretanto, devido aos contínuos adiamentos das obras, uma parte do claustro quinhentista abateu não aguentando os sucessivos temporais em Outubro último. E assim com todos estes protelamentos do início das obras de recuperação (a última adiada para 2007), vai desaparecendo aos poucos um monumento que deveria ser urgentemente revisto, como tantos outros em situações idênticas ou ainda piores.
Nas instalações do convento funciona actualmente o CEARTE (Centro de Formação Profissional do Artesanato) com cursos na área da cerâmica, têxteis, carpintaria, marcenaria, encadernação, serralharia artística, restauro de mobiiliário e arte sacra, talha, embutidos, jardinagem, apicultura, doçaria, cestaria, reparação de electrodomésticos, gestão e marketing, formação pedagógica e técnica, etc
E agora que já vos falei um pouco do convento e da sua história, vou então entrar no assunto que me trouxe aqui. Como estamos em plena quadra natalícia e gostamos sempre de apresentar uma mesa com doçaria diversa, aqui vai um doce espectacular que penso que a maioria de vós não conhece: a Nabada do Convento de Semide, um dos doces conventuais mais antigos.
As freiras que eram excelentes doceiras, inventaram um doce feito com nabos cozidos e que é um verdadeiro espanto. A receita mais antiga ainda usa o almíscar, a água de rosas, mas nós fizemos o doce usando uma mais simples e que ficou uma delícia. Para os corajosos, aqui vai a receita:

Nabos – 1 Kg
Açúcar – 500 gr (+/-)
Amêndoas descascadas e raladas- 50 gr

Descascam-se e cortam-se os nabos às rodelas que vão a cozer em água ligeiramente temperada com sal. Depois de cozidos e escorridos, colocam-se as rodelas num recipiente com água fria durante 4 dias, mudando a água diariamente (isto é que tem mesmo que ser. Chama-se a este processo “corar”)
Ao fim dos 4 dias, escorrem-se e espremem-se num pano, pisando depois num almofariz e retirando os fios e partes duras.
Pesa-se este puré que deve rondar os 500 gr.
Põe-se um tachinho ao lume com igual quantidade de açúcar, junta-se um copo de água e ferve até formar ponto de cabelo que é quando escorre da colher em fios fininhos o que deve acontecer quando a temperatura atinge os 105º (é fácil para quem tem um pesa-xaropes: ao atingir os 32º Baumé estamos em pleno ponto de cabelo. Como não tenho, vai mais ou menos a olho, logo que passe a fase anterior de calda fraca)
Quando estiver no ponto, junta-se o puré de nabo e as amêndoas raladas.
Deixa-se o doce ferver até ver o fundo ao tacho quando se passa com a colher de pau.
Depois guarda-se como a marmelada, em tigelas tapadas com papel vegetal molhado em aguardente.
Acreditem que é muito bom
Outro dia falo-vos da chanfana, prato típico das Beiras mas dando azo a grandes discussões sobre a sua origem. Muitos defendem que também surgiu aqui no Convento de Semide. Mas como este post já vai longo, as lendas e as confecções da chanfana ficam para outra altura.

2006-12-10

As bênçãos do senhor Francisco

Posted by Picasa O senhor Francisco era um homem conhecido num raio de acção de muitas dezenas de quilómetros. Tudo nele era singular. Usava o cabelo caído pelos ombros, uma barba grande que esvoaçava sobre o peito, um terço gigante que trazia pendurado ao pescoço. Sempre que passava por uma igreja ou capela, saía da sua bicicleta, entrava e passava uns minutos em oração. Nas missas dominicais antecipava-se ao padre, só se mantendo em silêncio nas homilias que ouvia respeitosamente. Comungava todo nu, escondendo as suas partes pudibundas num cobertor que enrolava em volta de si. Vivia numa pobreza extrema, habitando numa barraquita de madeira e com partes forradas a chapa de alumínio para evitar a entrada do vento e da chuva, dividindo o seu espaço com uma burra sua companheira de solidão, uma vez que tinha sido abandonado pela mulher e filhos. Era um homem doce. Quando me via ao longe acenava-me cheio de alegria, chamando pelo meu nome e, ao aproximar-me, via-o erguer a mão à minha frente, dando forma a uma cruz com a qual me benzia. Sentia-me bem quando o encontrava porque me dizia coisas magníficas: “Ai que bom é vê-la senhora dona Ana, uma senhora tão linda e tão boa!” E depois baixando os olhos dedicava-me um padre-nosso ou ave-maria conforme as circunstâncias ou a inspiração do momento. Várias vezes lhe dei trabalho na quinta e nunca quis receber o dinheiro. Apenas aceitava roupa e comida, desde que não fosse carne que recusava por muita fome que tivesse. Um dia apareceu aqui à hora do almoço. Perguntei-lhe se já tinha almoçado e disse-me que sim. Conhecendo a delicadeza do senhor, disse-lhe que então ia almoçar outra vez comigo o que ele não rejeitou. Apareceu também o meu filho que vinha comer à pressa para depois sair e continuar com as suas tarefas profissionais. Quando pus a comida nos pratos, o senhor Francisco baixou a cabeça e começou uma oração de graças que respeitámos ainda que nenhum de nós fosse religioso. Mas a oração foi sendo cada vez mais aumentada e abrangente. Da comida passou para os donos da casa, para os filhos dos donos da casa, para os familiares, para os amigos, para os animais, para as pessoas da cidade, para a paz no mundo e sucediam-se padres-nossos, aves-marias e uma série de orações que desconhecia… quase o tempo de uma missa. A comida arrefeceu no prato. O meu filho olhava discretamente para o relógio, até que por fim ouvimos o amém final e pudemos começar a comer. Terminada a refeição assustámo-nos quando o senhor Francisco baixou de novo a cabeça mas foi apenas um curto agradecimento pela refeição. Estava uma tarde de imenso calor e ele vestido com um fato grosso e por cima um sobretudo que eu lhe tinha oferecido há uns meses atrás. O que tapa do frio, tapa do calor! Era a sua afirmação. Levou umas sandes para o lanche, despediu-se de mim com as bênçãos do costume e no final com os olhinhos a brilhar insistiu: “Ai que senhora tão linda!” E foi a última vez que me visitou. Uma tarde vi-o a pedalar pela estrada fora e buzinei-lhe. Ele acenou-me e pelo espelho retrovisor consegui aperceber-me do sinal da cruz desenhado no ar, o qual agradeci levantando o braço. Passados alguns meses perguntei por ele às senhoras que trabalham aqui nas terras. - Ah, não sabe? O senhor Francisco morreu! - Oh!... morreu? Coitadito... não sabia! Mas morreu de quê? - Olhe, morreu todo queimado. Acendeu uma fogueira dentro da barraca para se aquecer, deve ter adormecido e o fogo agarrou-se às vestes, às barbas. Ainda saiu aos gritos mas quando os vizinhos chegaram já estava todo queimado e a morrer. Fiquei sem saber o que dizer. Durante muitos dias fartei-me de pensar na morte horrível que teve e na sua vida tão miserável apenas iluminada quando encontrava alguém amigo ou quando recolhia em oração. Gostava das suas visitas e das atenções que tinha para comigo, que mais não fosse por aquela mão erguida oferecendo bênçãos. Tenho saudades daquele “Ai que senhora tão linda!” que me animava o coração

2006-12-05

O estorninho-malhado


Há dias estava entretida a varrer o pátio quando me apercebi de um ruído repetitivo a bater numa vidraça. Fui ver o que se passava. Era um passarito que insistia em passar pelo vidro de uma janela desconhecendo os mistérios dos materiais usados pelos humanos. Estava tão empolgado nessa tentativa que nem se deu conta da minha aproximação e num instante viu-se apanhado por uma coisa estranha que o envolveu e que não o deixava fugir. Não percebo muito de pássaros. Nesta altura do ano vejo-os em bandos de centenas de indivíduos, pousados nos fios da luz e do telefone. Com este desenho nas penas foi fácil identificá-lo com a ajuda de um amigo bom entendedor de passarada. Tratava-se de um estorninho-malhado, mais precisamente um Sturnus vulgaris com a sua roupagem de Inverno, já que no Verão tem as penas mais escuras e brilhantes. É uma espécie muito abundante, gregária fora da época de reprodução, formando enormes bandos. A sua vocalização é variada, incluindo muita imitação de outros cantos e, ao fazer este blog, aprendi que a palavra pissitar se refere ao canto do estorninho. Medem cerca de 20 a 23 cm, vivem perto de jardins, pântanos, sebes e bosques. O bico amarelo no Verão escurece no Inverno. As patas são avermelhadas. Faz o ninho nos buracos das árvores, nos rochedos ou nas caixas-ninho. A fêmea pôe cerca de 7 ovos azuis na Primavera e ao fim de 12 a 15 dias nascem as crias indefesas e penugentas saindo do ninho ao fim de 22 dias. Comem insectos, sementes e, para minha arrelia, também frutos.
Este estava desejoso de se ver livre da minha mão que o aterrorizava.
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Mas depois de muitas carícias e das minhas canções (que têm um efeito hipnógeno-calmante - que o diga a pequena Leonor), acabou por confiar e deixou-se ficar tranquilamente pousado numa mantinha enquanto durou a sessão fotográfica que o viria a tornar num estorninho famoso na blogosfera. Foi uma manhã muito cansativa para um pássaro-modelo e por isso resolvemos restituir-lhe a liberdade, soltando-o ao vento e vendo-o partir num voo forte e directo, rumo ao seu mundo.
Boa sorte, amiguinho!