2007-02-12

O prometido é devido - A Chanfana

A chanfana conhecida praticamente em todo o País, é no entanto um prato típico das Beiras e há pelo menos duas povoações que entendem ser as criadoras desta confecção: Miranda do Corvo que se auto-denomina Capital da Chanfana e Vila Nova de Poiares que se auto-denomina Capital Universal da Chanfana.
Vila Nova de Poiares tem uma instituição muito conhecida que é a Confraria da Chanfana, cujo objectivo é divulgar a cultura gastronómica da região e certificar a chanfana cuja origem se perde nos tempos. O seu logotipo representa um forno de lenha, com caçoilos de barro preto e a cabra símbolo da pastorícia. Promovem vários eventos como a semana da chanfana em que vários restaurantes disputam anualmente o título de “Restaurante recomendado pela Confraria da Chanfana” para dar a conhecer os profissionais de gastronomia que melhor garantam a autenticidade e a qualidade deste prato ou como “A chanfana à mesa com as nossas crianças” para dar a conhecer às crianças em idade escolar, todo o processo deste prato com o intuito de as sensibilizar para a preservação da gastronomia da região, entre outros.
Mas, não querendo magoar os amigos de Vila Nova de Poiares, a verdade é que não se pode ficar indiferente à lenda que envolve a presumível origem da chanfana em Miranda do Corvo, mais precisamente no Convento de Semide já referido neste blog a propósito do doce chamado “Nabada do Convento”.
Até finais do séc. XIX, o Convento recebia dos moradores do seu couto - agricultores e rendeiros - o pagamento dos foros. A maior parte das vezes esses pagamentos eram feitos com galinhas, azeite, ovelhas, cabras, vinho, etc. E ao que parece seria feito pelo mês de Agosto até finais de Setembro o que ocasionava uma entrada excessiva de animais num curto período de tempo. As freiras teriam resolvido então cozinhar a carne de cabra que seria a mais comum, mergulhadas no vinho (que também recebiam em grande quantidade) nos fornos a lenha. As carnes cozidas assim ficavam cobertas por um molho gorduroso que solidificava e mantinha-as em condições de consumo por muitos meses.
Mas ainda defendem outra lenda e esta tem a ver com as invasões francesas. Alguém se teria lembrado de envenenar as fontes (não sabemos se os franceses para matar os portugueses ou se os portugueses para matar os franceses). Na impossibilidade de usar água das fontes, ter-se-ia inventado cozinhar com vinho. O facto das águas estarem impróprias para beber teria dado origem a uma grande mortandade na pastorícia e o animal mais resistente seria a cabra que se defendia mantendo-se em zonas altas e áridas. Durante a Batalha do Buçaco, o medo de usar a água de qualquer nascente e a quantidade de cabras velhas sobreviventes aliadas à quantidade de vinho armazenado teria levado à invenção deste prato que poderia ser escondido nas caves por tempo prolongado
A receita antiga seria confeccionada mais ou menos assim:
Carne de cabra velha partida aos bocados que se colocava numa panela de barro à qual se juntava azeite, banha, dentes de alho com casca e esmagados, pimenta, colorau, salsa, louro, sal, noz moscada, tudo coberto com vinho tinto bem encorpado. Ficava nesta marinada de um dia para o outro (ou por 2 dias). No dia seguinte aquecia-se bem o forno de cozer o pão, deixando as brasas para se manter por mais tempo, metia-se lá dentro a panela (ou caçoilo) tapada com folhas de couve, estancava-se a porta do forno com cinza ou farinha em pasta e deixava-se cozinhar durante 3 horas ou mais, até o forno esfriar (noutras versões durante um dia e uma noite). Servia-se a partir do dia seguinte à confecção, aquecendo-se dentro do mesmo caçoilo numa trempe junto à lareira, acompanhada com batatas cozidas com ou sem casca e com grelos também cozidos. Hoje adaptou-se a receita mas no geral é muito semelhante.
Há quem faça com carne de ovelha (e julgo que as freiras também fariam uma vez que recebiam ovelhas e cabras), há quem faça com a panela em cima do fogão a gás, há quem use carne de vaca e até... pasmem-se... com carne de coelho.
O animal não deverá ser novo para a carne poder aguentar tantas horas de cozimento sem se desfazer. Aliás deveriam ser animais velhos que as freiras recebiam como pagamento dos foros, uma maneira dos agricultores e pastores se defenderem mantendo os mais novos para si.
Mas já que falei da chanfana a propósito do aproveitamento da carne de cabra, vou falar também em 2 pratos consequentes: a Sopa de Casamento e os Negalhos.
Se pensarmos um pouco, quando as carnes eram totalmente consumidas deveria sobrar muito molho. O espírito aproveitador das freiras deu origem à seguinte invenção: num caçoilo de barro, punham uma camada de couves cozidas, depois uma camada da fatias de pão, depois outra camada de couves cozidas, a seguir o pão e assim sucessivamente sendo que a última camada deveria ser de couves. Regavam tudo com o molho da chanfana, enfeitavam com as sobras de carne e ia ao forno para apurar e tostar um pouco. Chamavam (e ainda se chama): Sopa de Casamento.
Com as tripas e o bucho (estômago para quem não souber) das cabras faziam os Negalhos: Lavavam muito bem o bucho (cortado em bocados grandes) e as tripas (cortadas em bocados pequenos) e deixavam ficar em limão e sal por algumas horas. Temperavam depois com sal, colorau e picante. Dentro de cada bocado de bucho, colocavam bocadinhos de tripa, de toucinho, uma rodelinha de chouriço se houvesse (não esquecer que se estava num período muito carenciado durante a 3ª. invasão francesa) e uma folha de hortelã. Fechavam como se fosse uma trouxa e cosiam com linha ou atavam com um bocado de tripa bem lavada. Iam a cozer no forno de lenha cobertos com vinho tinto e temperados com louro, alho, banha, azeite, malaguetas, por umas 4 ou 5 horas. Serviam acompanhados com batatas cozidas e legumes
Actualmente fazem-se os negalhos recheados com chouriço, salpicão, linguiça, entremeada, pedaços de febra de porco, colorau, cebola, hortelã, tomilho.

Outros tempos, outros recursos.

2007-02-04

Pinheiros - Serpente

Há umas semanas atrás, entrei por acaso no blog PILRITEIRO e fui surpreendida com a série de fotos espectaculares dos Pinheiros- Serpente da Mata Nacional de Pedrógão que eu desconhecia totalmente a sua existência. Fiquei tão impressionada com o tema que contactei o seu autor Augusto Mota que me deu mais informações sobre o assunto. Inclusivé enviou-me um pps com fotos dramáticas tiradas por ele na Praia Velha, em S. Pedro de Moel a outros pinheiros-serpente que mais tarde viriam a ser vandalizados e destruídos, acompanhando as fotos com um magnífico poema de Afonso Lopes Vieira.
Perante o meu interesse em publicar o seu trabalho, teve a gentileza de transformar o pps de forma a poder inseri-lo aqui.



Se tiverem dificuldades em ler as legendas, cliquem sobre "View All Images" logo abaixo da exibição dos slides