2011-02-13

Para o Mário, com muito carinho

Como todos já sabeis, o nosso querido amigo Mário Portugal partiu na sua última viagem na passada sexta-feira, dia 4 de Fevereiro.

Desligou-se da vida sem sofrimento, sem aviso e no meio de uma conversa, tal como sempre desejara.

O Mário era um companheiro sempre presente na Net, a qualquer hora do dia e todos os dias da semana, o que lhe permitia uma vida extremamente ocupada, contactando com os seus amigos e familiares, desenvolvendo as suas teorias, escrevendo artigos diversos, respondendo a todos os mails que recebia, com uma juventude de espírito que por vezes não se encontra em pessoas muito mais jovens.

Perdi aquele amigo que me considerava uma pessoa rara, como o dizia aos quatro ventos, o que me deixava verdadeiramente incomodada. Mas esta afirmação revelava que não considerava os defeitos dos amigos, valorizando apenas as qualidades de cada um, ainda que exagerando-as a seu bel-prazer. Esta lindíssima atitude na amizade extrema que sentia pelos seus amigos, era uma das coisas que mais me impressionava no Mário, pelo qual senti sempre um enorme carinho.

Era também um leitor assíduo deste blogue e quando os temas lhe eram desconhecidos, obrigava-me a explicações extras através de mails ou do telefone.

Tenho andado a reler a sua imensa correspondência como forma de o sentir e manter ainda próximo e, nestas voltas pelas pastas do Pc, aconteceu ter esbarrado com um texto começado há uns tempos e que esperava algumas fotos para anexar e depois publicar no blogue.

Sabia que seria um texto que iria provocar uma forte risada no Mário - o que me encantava - e que daria azo a uma série de mails logo após a publicação.

Resolvi terminá-lo e publicá-lo agora, imaginando-o a rir na sua salinha e que noutras circunstâncias o levaria a pegar no telefone para me dizer qualquer coisa no género:

- Ó jóia, já me fez soltar umas boas gargalhadas logo pela manhã! Essa de dar banho à burra, só mesmo da cabeça da Ana!

Por isso, Mário, aqui vai o texto da Rita e que lhe provoque sonoras gargalhadas que só lamento já não as poder ouvir.





A Rita Branquinha


Há vários anos, ao passar de carro por uma aldeia próxima, vi um pequeno burro numa cerca. O animal estava num estado lastimoso, com camadas de esterco seco agarradas ao pêlo, os ossos a quererem furar a pele e um olhar tão triste que me fez doer o coração.


Parei o carro e perguntei ao homem quanto custava o burro, não por precisar de um, mas com dó do pobre bicho.


O homem ao aperceber-se da minha inexperiência sobre o preço de um burro e vendo a vontade que eu demonstrava em o adquirir, fez-me o preço exorbitante de 30 contos (na altura ainda não se sonhava com o euro), como se fosse um animal de raça.

Fiquei a saber que era uma burra e que tinha apenas 2 anos.

Para eu ter uma ideia de que o burro, ou melhor, a burra valia bem o dinheiro, o homem montou-a, prendeu-a a um arado e outras tarefas que ela desempenhava obedientemente mas dando mostras do medo que tinha de ser castigada.

Acabei por pagar o preço pedido e o comerciante até a transportou de imediato numa carrinha de caixa aberta, deixando-a à porta do nosso estábulo onde ela ficou sem se mexer, apavorada com a viagem e com o ambiente que desconhecia.



 Quando fiquei a sós com ela e reparei no seu olhar tão triste, resolvi dar-lhe um banho e retirar aquelas camadas de porcaria que escondiam a cor do pêlo.

Com um balde de água morna, uma esponja e champô dos cães, comecei uma tarefa que achei que iria ser muito difícil mas que afinal foi facílima porque o animal ficou sempre imóvel e deixou-me fazer o trabalho sem protestar.

Depois de lavada, exibia um pêlo bem branquinho. Mas como tempo estava um pouco fresco, começou a tremer cheia de frio e para a secar rapidamente socorri-me de um secador de cabelo que ela mirava com curiosidade e a seguir cobri-a com uma manta.

Na altura tinha aqui um homem a fazer um trabalho nas terras e que perdido de riso ainda me gritou: - Ó minha senhora, isso é um burro… não é uma pessoa!!

Levei-a para uma box livre que já tinha mandado preparar com uma boa cama de palha e com a manjedoura cheia de feno fresco e ela ficou ás voltas, surpreendida com este tratamento VIP.


Não tendo nunca convivido com burros (refiro-me aos animais), fiquei a saber que envelhecem muito e repentinamente, uma vez que ela após duas ou três semanas de estar connosco, passou de 2 anos para 15 !! :))




A burra que de início se chamou Branquinha e mais tarde passou a Rita, levou algum tempo a adaptar-se à liberdade do pasto grande e à perseguição da Joaninha, a nossa égua ciumenta, que não gostou que as nossas atenções se alargassem a mais um elemento..

Também fiquei a saber que aqueles esgares que ela fazia de tempos a tempos e que eu pensava que seria de algum problema na garganta, eram afinal indicadores de que estava com o cio que pelos vistos deve ser horrível nestes animais porque lhes dá um ar terrível, recolhendo os beiços e mostrando, aflitivamente, os dentes enormes.

A Rita Branquinha desde que veio para aqui, deixou de trabalhar e apenas contribui para estrumar as terras e para embelezar a paisagem.

Ficou muito grata à nossa adopção, tornando-se um animal muito ternurento, sempre pronto para pedir um mimo que tanto pode ser uma festinha no nariz, uma folhinha verde ou um torrão de açúcar.




Ao contrário da égua, os seus cascos crescem muito e por isso de vez em quando tem que ir à "manicure”.










E como podem reparar nas fotos, é um trabalho cansativo e bastante incómodo para ambas as partes.




Na foto acima já está com os pés e mãos devidamente arranjados, vendo-se a Joaninha ao longe muito atenta aos nossos movimentos.






E aqui está ela exibindo um lindíssimo sorriso, só possível nos animais felizes.






Obrigada Mário pela excelente amizade e companheirismo que sempre me dedicou. Nunca o irei esquecer!






20 comentários:

Joaquim Nogueira disse...

Como não tenho palavras para dizer o que sinto, aqui fica o meu muito obrigado por mais este gesto que teve para com um amigo comum.

Trumbuctu disse...

A história é linda, Ana, e contada assim só podia vir de ti ":O).Vem ao encontro do meu desejo recente de querer encontrar um burro, logo que tenha as condições necessárias.

Ainda bem que a Rita tem a Joaninha como companhia, são animais que não gostam de estar sós. E que te tem a ti também ":O)

♥ ♥ ♥

Beijo grande

João Navarro disse...

1 Beijo para ti
1 Abraço para Mário... esteja ele onde estiver guardarei comigo a minha admiração pelo seu trabalho e pelo que tive oportunidade de conhecer.

João Navarro disse...

1 Beijo para ti
1 Abraço para Mário... esteja ele onde estiver guardarei comigo a minha admiração pelo seu trabalho e pelo que tive oportunidade de conhecer.

Anónimo disse...

Fiz uma visita (rara) a este blogue e ao ler o texto referente ao finamento de uma pessoa, li também o artigo da "Rita Branquinha". Gostei imenso de ler! Muito bem escrito (como é apanágio da Ana)... e com um conteúdo revelador de grande amizade pelos animais. É um artigo ternurento e... comevedor!
Cumprimentos do Osvaldo Simões

Ezequiel Coelho disse...

É uma bela homenagem ao Mário e ele, com todo o carinho, rir-se-á ao saber dela.
E... tinha toda a razão: és uma pessoa rara!

um enorme abraço

RUTE disse...

Nem eu Ana!
Jamais o irei esquecer.
Aliás, irei relembrá-lo cada vez que as minhas forças me disserem, já estás velha para fazer isto ou aquilo.
O espirito do Mário obrigou o corpo dele a manter-se jovem e essa é uma bela lição de vida: Não nos deixarmos envelhecer por dentro conforme envelhecemos por fora.
Costumo dizer que quero viver, pelo menos, até aos 100 anos. A garra com que o Mário domava a vida será sempre um exemplo para mim.
Beijinhos minha querida Ana,
desculpe a ausência.
Rute

maria diegues disse...

Pois é...adorei tudo isto que li, acho que o Mário deve ter ficado muito feliz com esta tua homenagem.
Imagina que ao fim destes anos todos não sabia que a Branquinha se chamava Rita e nem sei por onde tenho andado que também não sabia que lhe tinhas dado esse banho de princesa!
Cá fico à espera de mais publicações.
Bjs.

João Roque disse...

Eu não conhecia o Mário, mas decerto deve estar feliz, onde quer que esteja por esta tua homenagem.
Não é uma história lamechas, mas sim uma história como só tu sabes contar e que portanto ele apreciaria muito, estou certo.
É muito bom ler-te e sentir-te como Amiga.

Fátima Oliveira disse...

Querida amiga Ana Ramon,

Acabo de ler no Site Lima Coelho sobre a partida do Mário.
Ele nos deixa muitas saudades. Tem muitos admiradores/as no Brasil, pessoas que aprenderam a gostar dele e a admirá-lo através de suas belíssimas crônicas.
O texto de que você escreveu sobre e para ele, encontra-se republicado no Site Lima Coelho:

Para o Mário, com muito carinho
www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=4857

Unknown disse...

Jamais pensando em substituir as risadas do Mário, mas saiba que aqui ao longe alguém também deu risadas, com um sabor de lágrimas misturado.
Bela homenagem.

Grande beijo do
Ricardo

Jalul disse...

Quando estava prestes a chegar ao mundo, Deus ordenou aos anjos que traçassem o destino de Mário Portugal.

Rapidamente, em obediência a Deus, os anjos determinaram na acta de nascimento:

1 Esse menino vai servir ao próximo. Dêem a ele uma caixa de ferramentas e um aparelho de rádio amador.
2 Esse menino vai ter cara de avô travesso. Quando brincar com netos, não será tão diferente deles.
3 Se uma guerra for deflagrada, que esteja perfilado na primeira fila dos combatentes.

Foi assim que Deus quis que Mário Bettancourt Faria passasse pela terra: a servir, a sorrir e a refazer o que já estava feito. Nada escapava de sua tenacidade em reaproveitar coisas que, para os outros, já estavam sem serventia. E assim foi. O grande Mário sabia seu destino.

Irradiando bondade, serviu aos amigos e conhecidos. Ficou com cara de avô travesso e brincalhão. Quem o conheceu mais de pertinho, por certo sabe da alegria de Mário, um combatente risonho que esteve na primeira fila da batalha pela vida. Foi comandante do batalhão especial de homens de sua geração.

O tempo fez a máquina do Mário fenecer. Isso só aconteceu, imagino, num dia em que Mário esqueceu a sua preciosa caixa de ferramentas em casa e estava a tagarelar ou com os miúdos, ou, não sei dizer, com os soldados do seu batalhão de amigos.

Mário você não foi: você é especial.

Fica com Deus!

Leila Jalul

Laura Antunes disse...

O Mário, que conheci no Site Lima Coelho, que republicou muitas de suas crônicas aqui no Brasil, era muito amado pelos internautas que frequentam o site do poeta Lima Coelho. Suas crônicas sempre foram muito apreciadas e prestigiadas. Que ele esteja ao lado de Deus, nosso Pai Eterno!

Charles Lamounier disse...

Mário e suas vivências e suas historias cheias de sofrimento e de pequenas felicidades também era a glória de suas crônicas tão bem escritas. Os fãs que conquistou no Brasil o lembrarão para sempre

Ana Terra disse...

O Mário não apenas nos deixa saudade, mas sobretudo falta, um imenso vazio aqui no Brasil

Francine disse...

Ola tudo bem!

Gostaria de divulga meu Blog!
http://momenttos2.blogspot.com/

espero que goste e me ajude!
Obrigada,..

Alice Matos disse...

A quem interessar possa: o Mário com seus escritos de memórias foi uma grande companhia para mim. Deixa um vazio na web e muitas saudades. Eu sempre fiquei muito feliz quando acessava o Site Lima Coelho e encontrava por lá uma nova crônica dele.

Duarte disse...

Estes relatos tão cheios de vida, são uma fonte de ensino permanente.

Um grande abraço

Ana Maria B disse...

Fiquei triste com a notícia. Era uma pessoa admirável!
Quisera ser como ele!
Ainda bem que se foi sem sofrimento. Vai fazer muita falta!
A história da burra é uma delícia.
Fiquei com vontade de ter uma. Mas não faço ideia de quanto custará nem qual a despesa de manutenção. Nem sequer onde se compram, nas feiras agrícolas, talvez...
Obrigada Ana, por ser como é. Gosto muito de si mesmo sem a conhecer.

gata verde folha disse...

Que delícia, parabéns!
Que vontade de ter assim uma quinta cheia de amigos...