Há dois anos comprei 6 gansos na feira. Gosto destes animais e nunca me tinha lembrado de os criar aqui. Eram muito novos, ainda com bastante penugem. Fizeram-se num instante. Os machos lutavam pelo direito às fêmeas e galavam-nas quase sempre em cima de uma poça que todos os dias enchia de água. O líder do bando não perdia uma oportunidade de impôr os seus direitos. Na Primavera seguinte as fêmeas puseram uma montanha de ovos e disputavam entre si a propriedade dos mesmos. As zaragatas eram a sério e terminavam sempre com gemadas patinhadas. Não havia meio de se entenderem e cada vez havia menos ovos. Uma manhã, ao ver que já só restavam quatro e antes que acontecesse mais alguma desgraça, resolvi pô-los numa chocadeira eléctrica e lá ficaram os 25 a 30 dias de incubação. Todos os dias virava os ovos e borrifava-os com água. Entretanto a chocadeira avariou-se e pude constatar que os bichinhos já piavam dentro do ovo e deviam estar quase a nascer. Em pânico pus-me a pensar na maneira de resolver a situação evitando a morte dos pequenitos. Podem dizer-me que havia mais de um cem número de maneiras para manter os ovos quentinhos. A verdade é que a única coisa que me ocorreu, foi metê-los debaixo do cobertor eléctrico, embrulhados numa flanela e assim evitar o seu arrefecimento. De vez em quando passava pelo meu quarto e espreitava-os. Ao cair da noite, apareceram as cascas estaladas com aquele sinalzinho de animal que se prepara para sair. Atrasei a hora de me deitar mas nenhum deles estava apressado e acabei por fazê-lo tardíssimo e com os ovos picados ao meu lado. Foi um dormir muito leve porque de vez em quando ouvia-os piar aflitivamente e ia ver o que se passava. Não se passava nada de especial. Apenas aquele incómodo de quem se sente muito apertado e tem que fazer os possíveis para se libertar do espartilho.
De madrugada acordei ouvindo um pipiar diferente, de quem conversa entretido. Levantei o cobertor e sorri ao ver quatro bolinhas de penugem amarela a olhar para mim. Disse-lhes: "-Bom dia meninos. Sejam bem vindos!" E eles responderam naquele idioma que só os gansinhos sabem usar. Mais tarde mostrei-os às gansas na esperança que alguma os adoptasse. Aproximaram-se deles com curiosidade. Afastei-me um pouco para assistir à cena. Qual foi o meu espanto quando vi os gansinhos abandonaram os adultos e virem colocar-se entre os meus pés. Arranjei uma caixa com uma lâmpada para se manterem quentinhos e levei-os para casa. Mas os animais permaneciam muito inquietos, a gritarem de uma forma aflitiva e a calarem-se sempre que me viam aproximar.
Nessa altura percebi que tinha sido adoptada como mãe. Passaram a andar comigo para todo o lado. Até levava a caixinha no carro quando tinha que ir às compras e era a única maneira de os manter tranquilos. Já mais crescidos e com as penas a aparecerem por entre a penugem, ainda caminhavam atrás de mim pela quinta. Só mais tarde é que aceitaram fazer parte do bando adulto e começaram a esquecer-se da ligação que tinham comigo.
Quando contei esta história a um amigo, este falou-me de Konrad Zacharias Lorenz, zoólogo e psicólogo austríaco (premiado com o Nobel da Medicina em 1973) que descreveu o imprinting em aves jovens. Este imprinting, é um género de padrão fixo de acção, que faz com que os gansinhos recém-nascidos persigam qualquer coisa que se mova, pessoa ou animal, reconhecendo-a como "mãe" a partir desse momento. Será que seguiriam um objecto que se fizesse deslizar à frente deles, mal saíssem do ovo? Não percam a próxima experiência :)
4 comentários:
Achei muito legal você resolver criar esses gansinhos.
abraços do Kafé Roceiro.
Que fixola...!
É um cliché habitual nos desenhos animados e banda desenhada. Alguém choca um ovo e o patinho logo diz: "mamãe, mamãe..."
Adorei o seu texto - lindo, mesmo... Só tenho pena (pena egoísta de quem quer apenas ser o primeiro) de não ter sido eu a dizer: olha o Konrad Lorenz e o imprinting!!!...
lindo demais.como só tu podes contar.
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