2012-09-28

A Gaivota

Sem forças e meio entontecida, a gaivota cabeceava de olhos fechados, com as patas a afundarem-se na areia, arrastada pelo recuo das pequenas ondas denunciadoras das grandes que cresciam atrás.
 
 
Parecia que alguma coisa de grave se passava com ela porque estava quase imóvel e em perigo de ser embrulhada na agitação da maré que crescia.
Ao pressentir que alguém caminhava na sua direcção, acordou daquela apatia e foi desferindo golpes com o bico, agarrando e torcendo a pele do braço que se aproximava para a recolher.
Mas esse alguém estava determinado a perceber o que se passava e sem se amedrontar com todo aquele ataque defensivo, pegou cuidadosamente no seu corpo.
E a gaivota parou de bicar, confundida com aquela estranha sensação de se ver embalada nos braços de um ser humano que a levava, sem esforço, como se ondulasse sobre o mar.
Encostada a esse corpo morno, apercebeu-se que se estava a afastar do mar e isso perturbou-a tentando arrancar com o bico aqueles dedos-tentáculos que se aproximavam várias vezes para lhe acariciar a cabeça e o corpo.
Foi transportada assim, por alguns minutos, apavorada com o caminho desconhecido e por ouvir o som do mar cada vez mais longe.
Por fim pararam e sentiu que a poisavam sobre qualquer coisa macia.
 
.
… e foram-na virando, abrindo as penas, inspeccionando o seu corpo, esticando e encolhendo as patas, erguendo-a no ar enquanto ela batia as asas para se equilibrar, abriram-lhe o bico e uns olhos, que lhe devem ter parecido enormes, aproximaram-se e espreitaram para dentro da garganta procurando algo que a estivesse a prejudicar. Mas nada foi encontrado.
E ela sempre na defensiva, atacando tudo o que lhe era desconhecido
 
 
Por fim puseram-na em frente de peixe fresco e vendo o seu desinteresse, obrigaram-na a comer, abrindo o bico à força e metendo um pedaço do peixe que empurraram para dentro, uma vez que ela não queria deglutir.
 
Talvez por isso não insistiram mais e ela deixou de repelir à bicada a mão que se aproximava, por se sentir com menos forças a cada minuto que passava e, ao ver que permanecia naquele ambiente estranho, sem mar e sem areia, começou a entrar em pânico, estrebuchando naquele colo e batendo as asas que não conseguiam elevá-la para a viagem de regresso.
 
 

Mas, adivinhando a sua angústia, pegaram nela de novo e recomeçaram a caminhar, sentindo de novo o ondular do corpo encostado ao seu, e, de olhos semi-cerrados, percebeu pelos sons e aromas conhecidos, que estava a ser levada para a sua praia.
Caminharam assim imenso tempo, até que a poisaram na areia, virada para o mar.
 

 
Alguém misturou os sons de um cântico com o som do mar e a mão aproximou-se, desta vez sem ser repelida, para a colocar numa posição mais confortável, ajeitar-lhe as asas e as penas.
 
E certamente reparou na despedida respeitosa que não evitou um ligeiro estremecer da areia onde estava deitada.


Abriu um pouco os olhos e deve ter-se apercebido do encher da maré…


E quem sabe se desejou a chegada das ondas amigas em que erguendo-a delicadamente da areia  a levassem consigo para a ilha paradisíaca a meio do oceano onde os peixes eram muitos e variados, o mar calmo, o sol sempre quente e onde iria encontrar as gaivotas suas amigas que tinham partido antes dela.

11 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muito da história mas tive muita pena da gaivota.
Sou a Emma, tenho 5 anos e pedi para a avó escrever isto que eu estou a dizer

Anónimo disse...

Gostei muito da história, foi muito bonita
Dorme bem, beijinhos e até amanhã
Leonor

Maria disse...

Já há muito tempo que não passo pelos blogs ... a tua escrita como sempre, toca-me os sentidos. É uma escrita de sensações em que o tu sentes passa para nós, os que te lêem.
Gostei muito das palavras, e acredito que este momento que relataste nunca mais o venhas a esquecer.

Beijinho

Dulce

Chanesco disse...

Olá Ana


Entrei aqui à boleia da sua visita e vejo que também reiniciou a atividade, continuando a seguir o lema que caracteriza "a paixão dos sentidos".
Também eu tenho andado meio afastado da blogosfera, mas é com prazer que por aqui passo.

um abraço

maria diegues disse...

Gostei muito da tua aventura com a gaivota e adorei o comentário das minhas sobrinhas/netas que adoram a avó que muito lhes tem ensinado.
Bjs.

Ventor disse...

Olá!
Vou continuando por aqui. Até quando? Sei lá! Eu costumo dizer enquanto me deixarem. É uma forma de passar tempo.
Gosto muito da história da gaivota. Elas andam por aí a espalhar a mensagem do Ventor à volta do mundo e, de vez em quando, tal como com todos os seres veivos, não conseguem levar a mensagem ao destinatário. Por isso, quando falham, fico muito triste mas, como sabemos, tudo isso faz parte da corrida da nossa bola viva, o nosso Planeta Azul, na nossa Via Láctea.
Espero que a gaivota tenha sobrevivido por mais algum do seu tempo. Não se vê muito as gaivotas virem comer às mãos das pessoas, mas eu já vi em Armação de Pêra. Nas minhas, ainda nenhuma veio comer mas talvez um dia consiga. A minha companheira de caminhadas tinha uma muito especial que lhe ia bater com o bico no vidro da janela do escritório para lhe dar pão. Pousava no ar condicionado, saltava para a janela e zás. São umas belezas! Também acredito que tudo ficará muito mal se um dia acabarmos por ver o mar sem gaivotas. Bjs.

Anónimo disse...

Para além da tristeza fica também A humanidade, no seu sentido mais lato, e a doçura, que nem todos têm, de receberem mimo de uma mão amiga...

vieira calado disse...

Um deste de muita sensibilidade.
Gostei
Saudações poéticas!

Anónimo disse...

Bela história.
Triste pela tentativa fracassada de salvá-la. Porém recomenda-se que quando um animal não quer comer não devemos forçá-lo. Se possível levá-lo a um veterinário, que verificará inclusive se não há nada obstruindo o aparelho digestivo do animal. Quantos morrem, por causa de pedaços grandes e pequenos do lixo, que os humanos despejam no mar, como se lá fosse lixeira?

catrineta disse...

História bonita e cheia sensibilidade.
Estive há dias a ver um decumentário na 2, sobre esse problema do lixo que anda a boiar e que as gaiovotas gostam de provar e muitas vezes é fatal.
Mas vamos acreditar que ela morreu porque já era velhinha e foi ter com as suas amiguinhas que já tinham partido...
Beijinhos,Ana.
Rosa

jogos mario disse...

Realmente aprecio o esforço que você fez para compartilhar o conhecimento.O tópico aqui que eu encontrei foi realmente eficaz para o tópico que eu estava pesquisando por muito tempo