2006-12-13

A Nabada do Convento de Semide

Posted by Picasa





Semide é uma freguesia pertencente ao Concelho de Miranda do Corvo, distrito de Coimbra. Esta povoação nos finais do séc. XI pertencia a D. Anião da Estrada, fidalgo das Astúrias e senhor de Góis. Este teve 3 filhos: D. João de Anaia que foi bispo de Coimbra, D. Martin Anaia que foi cavaleiro nas lutas pela independência e D. Maria Anaia. Os irmãos Anaia, com os bens que dispunham, resolveram construir um mosteiro cuja carta de doação foi passada por D.Afonso Henriques em Abril de 1154 e que se destinava aos monges beneditinos. Em 1183 passou a convento de freiras para receber as descendentes de Martin Anaia. Em Agosto de 1896 extinguiu-se a comunidade beneditina de Santa Maria de Semide com a morte da última freira e as instalações acabaram por ser aproveitadas mais tarde para a Escola Profissional de Agricultura. Deste convento primitivo já nada resta. A parte mais antiga que ainda existe, é o claustro quinhentista, construído em 1540. Infelizmente este monumento foi muito castigado pela série de incêndios que sofreu: o primeiro foi em 1664 destruindo a maior parte do edifício. Os mais recentes foram em 1964 que destruiu a parte poente do convento, depois em 1987 devido a um curto-circuito e o último em 1990 que destruiu o Claustro Velho, a Casa do Capítulo, a sacristia e também vários livros e documentos de valor incalculável. De todo o conjunto é de salientar actualmente a Igreja com um retábulo e cadeiral em madeira dos finais do século XVII, altar-mor também do século XVII, azulejos policromáticos do séc. XVIII, esculturas dos séc. XVII e XVIII e o órgão da segunda metade do séc. XVIII.
Em 2000, durante a empreitada de consolidação das paredes do convento foi descoberta a fornalha de um fogão primitivo embutida no chão em que a combustão se efectuava através de um túnel em tijoleira e que remonta aos séc. XVII e XVIII. Entretanto, devido aos contínuos adiamentos das obras, uma parte do claustro quinhentista abateu não aguentando os sucessivos temporais em Outubro último. E assim com todos estes protelamentos do início das obras de recuperação (a última adiada para 2007), vai desaparecendo aos poucos um monumento que deveria ser urgentemente revisto, como tantos outros em situações idênticas ou ainda piores.
Nas instalações do convento funciona actualmente o CEARTE (Centro de Formação Profissional do Artesanato) com cursos na área da cerâmica, têxteis, carpintaria, marcenaria, encadernação, serralharia artística, restauro de mobiiliário e arte sacra, talha, embutidos, jardinagem, apicultura, doçaria, cestaria, reparação de electrodomésticos, gestão e marketing, formação pedagógica e técnica, etc
E agora que já vos falei um pouco do convento e da sua história, vou então entrar no assunto que me trouxe aqui. Como estamos em plena quadra natalícia e gostamos sempre de apresentar uma mesa com doçaria diversa, aqui vai um doce espectacular que penso que a maioria de vós não conhece: a Nabada do Convento de Semide, um dos doces conventuais mais antigos.
As freiras que eram excelentes doceiras, inventaram um doce feito com nabos cozidos e que é um verdadeiro espanto. A receita mais antiga ainda usa o almíscar, a água de rosas, mas nós fizemos o doce usando uma mais simples e que ficou uma delícia. Para os corajosos, aqui vai a receita:

Nabos – 1 Kg
Açúcar – 500 gr (+/-)
Amêndoas descascadas e raladas- 50 gr

Descascam-se e cortam-se os nabos às rodelas que vão a cozer em água ligeiramente temperada com sal. Depois de cozidos e escorridos, colocam-se as rodelas num recipiente com água fria durante 4 dias, mudando a água diariamente (isto é que tem mesmo que ser. Chama-se a este processo “corar”)
Ao fim dos 4 dias, escorrem-se e espremem-se num pano, pisando depois num almofariz e retirando os fios e partes duras.
Pesa-se este puré que deve rondar os 500 gr.
Põe-se um tachinho ao lume com igual quantidade de açúcar, junta-se um copo de água e ferve até formar ponto de cabelo que é quando escorre da colher em fios fininhos o que deve acontecer quando a temperatura atinge os 105º (é fácil para quem tem um pesa-xaropes: ao atingir os 32º Baumé estamos em pleno ponto de cabelo. Como não tenho, vai mais ou menos a olho, logo que passe a fase anterior de calda fraca)
Quando estiver no ponto, junta-se o puré de nabo e as amêndoas raladas.
Deixa-se o doce ferver até ver o fundo ao tacho quando se passa com a colher de pau.
Depois guarda-se como a marmelada, em tigelas tapadas com papel vegetal molhado em aguardente.
Acreditem que é muito bom
Outro dia falo-vos da chanfana, prato típico das Beiras mas dando azo a grandes discussões sobre a sua origem. Muitos defendem que também surgiu aqui no Convento de Semide. Mas como este post já vai longo, as lendas e as confecções da chanfana ficam para outra altura.

20 comentários:

Maria disse...

Ai meu Deus, agora é que vou pôr as minhas filhas a gostar de nabos!! Isto se ultrapassar o dito "Ponto de cabelo". Os pontos do açucar sempre me deixaram à beira de um ataque de nervos :-)
Beijinhos e venham mais receitas (doces)

Anónimo disse...

São 1:12 da manhã e acabo de chegar de Tomar (onde fui a um velório). Não resisti e vim ver se havia novidades. Como a novidade é ENORME, amanhã leio com atenção, ok?
Bjs Durmam bem (Se ainda alguém estiver acordado.. ehheheh)

Anónimo disse...

Gostei de tudo o que li...
Mas eu quero mesmo é provar o doce feito por ti!

Achas que tenho pachorra para fazer uma coisa dessas com tantas voltas e reviravoltas, e os pontos do açucar que eu nunca consegui entender????

Ficas a dever-me este doce, doceira de mão cheia!

Bjs.

Ana Ramon disse...

Eu também estou sempre a protestar quando tenho que fazer algum ponto de açúcar. Só sei fazer dois: o primeiro chamado calda fraca que uso nas fatias da China e o último que é o caramelo. Todos aqueles pontos que passam quase em fracções de segundos de uns para outros, são realmente para dar cabo dos nervos a qualquer um como diz a Dulce. Espero um dia trazer-vos aqui o meu amigo Didi que certamente nos explicará uma forma segura para chegar a cada um dos pontos conhecidos, já que ele consegue fazer tudo na perfeição e com a maior calma (espero que ele leia este comentário). Em relação à nabada, como sei que o ponto de cabelo é o que segue logo à calda fraca, fico ali um pedacinho a mexer e retiro quando suspeito que em breve chegarei ao caramelo. Eu sei que esta explicação não é nada profissional mas é que eu também me vejo à nora com esta chatice dos pontos de açúcar. Quando fizerem a nabada e derem a provar, não digam logo qual é o ingrediente base. De certeza que se vão surpreender com as respostas, principalmente porque ninguém vos vai dizer que é doce de nabo. Também não vos vão dizer que é doce de tomate ou de amora porque o doce fica mesmo branquinho. Quanto a ti, maria diegues, repara que a única volta diferente é a mudança de água por 4 dias. O resto é igualzinho a qualquer doce que tenhas feito. Isto é que tu estás uma mandriona!!

Fénix disse...

Gostei do que nos contaste. A nabada parece ser deliciosa. Quanto à chanfana, também a fazem na minha terra, na altura da Festa de S. Bento :)
Beijinhos

Tongzhi disse...

As minhas origens são bastante variadas. De Trás-os-montes aos Açores, passando pela zona de Coimbra há de tudo. Talvez por isso em casa da minha avó havia uma "misturada" de sabores de várias origens. Ora acontece que em casa dela se fazia uma "marmelada de batata doce". Claro que de marmelada só tinha o nome. Contudo, recordo essa "operação" das rodelas de batata doce em água... O resto não sei como era. Mas o sabor era bommmmmm

Flôr disse...

Vou ter que experimentar a fazer a nabada....o que me está a preocupar são os quatro dias...
Cada vez que passamos por aqui é uma nova aprendizagem.
Beijinho

Besnico di Roma disse...

Para cozinhar são os homens… mas para os doces não há como elas.
Bem lá vou tentar fazer a nabada que esta “nabita” nos ensinou.
Beijitos

Ana Ramon disse...

Então vocês andaram a ler este post e ninguém me avisou atempadamente do erro ortográfico que estava aos berros logo no início? Se não fosse a anag, possivelmente ainda lá estaria, sei lá até quando :((
Mas pronto! Já está emendado. Obrigada amiga!
Ao luciano direi que depois de ler o comentário do tongzhi percebi que o doce de batata passa a chamar-se marmelada de batata e não batatada :))
Fico a aguardar os comentários da dulce, do luciano, da badala, da anag e do besnico sobre as suas experiências na confecção deste doce. Beijinhos para todos

Ricardo disse...

Querida Ana
estou planejando uma viagem a Portugal ano que vem, para finalmente conhecer a terra dos meus antepassados. E as visitas ao seu blog cada vez me atiçam mais a vontade. Tanto que já coloquei o Convento de Semide no meu roteiro.

Abraços e boa semana!

Tongzhi disse...

Ana,
Batatada é que nunca. Na gíria podia-se pensar que andávamos a atirar "batatas" uns às cabeças dos outros :)

Anónimo disse...

Mas onde é que está o teu "contador"?!?!?

João Navarro disse...

Deve estar atrás do novo post que ainda não apareceu :)
Beijinho grande
CN

Anónimo disse...

Já estou a babar só de ler a receita. E eu que adoro nabos... Vou experimentar.
Fico à espera da chanfana... que também adoro!!!.

Fica bem

Anónimo disse...

Os pontos do açúcar não têm muito que saber, basta reduzir a lista a meia dúzia e pronto...
1- ponto de cabelo (que conheces)
2- ponto pérola (quando fica uma gota pendurada na colher) (este é o ponto normalmente usado para o doce de ovos)
3- ponto de espadana (saltei uns quantos) quando a calda cai já grossa e faz dobras
4- ponto estrada (quando passas com a colher no fundo do tacho e fica uma "estrada")
5- ponto de areia (quando a calda volta a parecer açúcar)
6- ponto caramelo (quando o que era calda já passou a açúcar e vai ficando escurinho)...
Espero ter ajudado!

Anónimo disse...

fIZ A nABADA , FIZ , QUE PACIENCIA OS QUATRO DIAS , MAS FICOU UM ESPANTO, DE COMERE CHORAR POR MAIS,SÓ FOI PENA QUE SÓ DEU 2 FRASQUITOS E MEIO DE 250 GRAMAS.DEI A PROVAR A IMENSA GENTE POIS ESTEVE Á VENDA NUMA FEIRA DE ARTESANATO URNBANO.OBRIGADA PELA RECEITA.

Anónimo disse...

CalÔ cabrões

Anónimo disse...

obrig. pela receita; conhecia de nome mas desconhecia o como...lá chegar.
mais uma vez agradeço.

Belocas disse...

Encontrei num livrinho, que tinha aqui em casa há imenso tempo, uma receita de Nabada de Semide. Resolvi saber um pouco mais, porque o ingrediente principal é surpreendente para fazer doces. Gosto bastante de nabos, crus, cozidos, gratinados..., mas em doce nunca provei.
Gostei imenso do "post". Foi muito esclarecedor. Vou guardar esta receita, e a informação e assim que arranjar uns nabinhos bem tenrinhos, mãos à obra...
Obg e bom Dimingo

Fada disse...

Muito interessante, esta receita.
Nunca tinha ouvido falar, sequer, em doces de nabo.
Obrigada pela partilha.

:)