Ontem estava à espera da minha vez num consultório médico. Na sala só estava eu e uma senhora de meia idade que me olhava frequentemente. Como sou muito distraída, tornei a olhar para ela atentamente, não fosse alguém conhecido e que assim à primeira não estivesse a reconhecer.
Percebi depois que era o sinal que a senhora esperava. Fez um grande sorriso e disse-me assim:
- A gente passa tanto tempo enfiada nestes sítios. Mas tem que ser. A saúde está primeiro que tudo.
- Sim, isso é verdade! - e tentei escolher uma revista diferente daquelas que têm os cantos inferiores das páginas mais escuros, moles e meio enrolados pelo passar de centenas de dedos sebentos e molhados com cuspo..
- Olhe, eu já tenho a minha conta em médicos e hospitais. Inda agora vim da farmácia. Tenho ali uma sacada de remédios que eu sei lá. E nem tive dinheiro para os pagar. A minha sorte é ser conhecida e as pessoas confiarem em mim. Mas já passei muito nesta vida. Estive em Lisboa, sabe? Tive um cancro. Entrei na máquina 30 vezes para ser queimada. Mas sempre tive muita fé na Virgem e foi ela que me salvou!
Sorri para a senhora abanando a cabeça, num sinal de compreensão.
Li as letras gordas de uma notícia sobre o divórcio de uma artista portuguesa qualquer. Mas, ao perceber que a senhora não me ia largar mais, pousei a revista.
- Sabe? Eu sou uma pessoa muito boa e tenho muita fé na Virgem. E também uso os meus poderes para tratar das pessoas!..
Achei estranha esta afirmação uma vez que estavamos as duas no consultório médico à espera de sermos atendidas. Comecei a interessar-me e alimentei a conversa:
- Ah, não sabia! E trata as pessoas de quê ?
- Olhe, trato do buchinho revirado, da espinhela caída…
Espantei-me com os termos.
- Buchinho revirado? Nunca ouvi falar! O que é isso?
A senhora olhou para mim com o sobrolho franzido tentando perceber se eu estava a gracejar ou se realmente era uma ignorante destes males.
- Não sabe o que é o buchinho revirado? Atão, é aquilo que dá nas crianças pequenas. Começam a gomitar e nada lhes pára no estômago!
- Palavra que nunca tal tinha ouvido. E como é que a senhora sabe que a criança tem o bucho dessa maneira?
- Ora essa, levanto a criança no ar segurando-a por baixo dos braços. Por acaso ultimamente nem tenho tido muita força nos meus. Vê-se logo aquele alto por cima da barriga. Não há que enganar!
Preocupada com o assunto, perguntei a medo:
- E como é que a senhora trata desses bebés?
- Com rezas, minha filha! O tratamento é feito com rezas porque eu tenho muita fé nos santos.
- Ah, ainda bem! – respondi aliviada – Mas falou-me noutro problema que também consegue curar!
- Sim. Também trato da espinhela caída. Mas isso acontece mais aos crescidos. São maus-jeitos que se dão, percebe?
- E como é que a senhora sabe que o doente tem a espinhela caída?
Sacudindo os ombros, naquele gesto que quer dizer “Aparece-me cada uma!...” respondeu-me lentamente a marcar bem as sílabas, a pretender fazer-me sentir completamente burra.
- Mando levantar os braços das pessoas, com os polegares assim (e por pouco espetava-me os polegares nos olhos). Os braços têm que ter o mesmo tamanho, não é verdade? Se um estiver mais pequeno que o outro é sinal que tem a espinhela caída. Entendeu?
Acenei que sim enquanto olhava para ela com os braços esticados ao alto. Depois pousou as mãos sobre a mala e continuou:
- Uma vez dei um jeito à minha espinha e pensei que não me ia mexer mais. Pedi ao meu filho e ele ajudou-me a levantar e a segurar-me à parte de cima da porta do meu quarto. Fiquei pendurada e pedi-lhe para me puxar um pouco para baixo para aliviar a dor. Mas olhe, até parece que ouvi um estalinho. Tive muito azar. Acabei por ficar de cama durante 3 meses com duas hérnias discais. Passei bem mal dessa vez!...
Felizmente ouvi chamar pelo meu nome e consegui sair a tempo de esconder um sorriso divertido que ameaçava alargar-se pela cara toda
Percebi depois que era o sinal que a senhora esperava. Fez um grande sorriso e disse-me assim:
- A gente passa tanto tempo enfiada nestes sítios. Mas tem que ser. A saúde está primeiro que tudo.
- Sim, isso é verdade! - e tentei escolher uma revista diferente daquelas que têm os cantos inferiores das páginas mais escuros, moles e meio enrolados pelo passar de centenas de dedos sebentos e molhados com cuspo..
- Olhe, eu já tenho a minha conta em médicos e hospitais. Inda agora vim da farmácia. Tenho ali uma sacada de remédios que eu sei lá. E nem tive dinheiro para os pagar. A minha sorte é ser conhecida e as pessoas confiarem em mim. Mas já passei muito nesta vida. Estive em Lisboa, sabe? Tive um cancro. Entrei na máquina 30 vezes para ser queimada. Mas sempre tive muita fé na Virgem e foi ela que me salvou!
Sorri para a senhora abanando a cabeça, num sinal de compreensão.
Li as letras gordas de uma notícia sobre o divórcio de uma artista portuguesa qualquer. Mas, ao perceber que a senhora não me ia largar mais, pousei a revista.
- Sabe? Eu sou uma pessoa muito boa e tenho muita fé na Virgem. E também uso os meus poderes para tratar das pessoas!..
Achei estranha esta afirmação uma vez que estavamos as duas no consultório médico à espera de sermos atendidas. Comecei a interessar-me e alimentei a conversa:
- Ah, não sabia! E trata as pessoas de quê ?
- Olhe, trato do buchinho revirado, da espinhela caída…
Espantei-me com os termos.
- Buchinho revirado? Nunca ouvi falar! O que é isso?
A senhora olhou para mim com o sobrolho franzido tentando perceber se eu estava a gracejar ou se realmente era uma ignorante destes males.
- Não sabe o que é o buchinho revirado? Atão, é aquilo que dá nas crianças pequenas. Começam a gomitar e nada lhes pára no estômago!
- Palavra que nunca tal tinha ouvido. E como é que a senhora sabe que a criança tem o bucho dessa maneira?
- Ora essa, levanto a criança no ar segurando-a por baixo dos braços. Por acaso ultimamente nem tenho tido muita força nos meus. Vê-se logo aquele alto por cima da barriga. Não há que enganar!
Preocupada com o assunto, perguntei a medo:
- E como é que a senhora trata desses bebés?
- Com rezas, minha filha! O tratamento é feito com rezas porque eu tenho muita fé nos santos.
- Ah, ainda bem! – respondi aliviada – Mas falou-me noutro problema que também consegue curar!
- Sim. Também trato da espinhela caída. Mas isso acontece mais aos crescidos. São maus-jeitos que se dão, percebe?
- E como é que a senhora sabe que o doente tem a espinhela caída?
Sacudindo os ombros, naquele gesto que quer dizer “Aparece-me cada uma!...” respondeu-me lentamente a marcar bem as sílabas, a pretender fazer-me sentir completamente burra.
- Mando levantar os braços das pessoas, com os polegares assim (e por pouco espetava-me os polegares nos olhos). Os braços têm que ter o mesmo tamanho, não é verdade? Se um estiver mais pequeno que o outro é sinal que tem a espinhela caída. Entendeu?
Acenei que sim enquanto olhava para ela com os braços esticados ao alto. Depois pousou as mãos sobre a mala e continuou:
- Uma vez dei um jeito à minha espinha e pensei que não me ia mexer mais. Pedi ao meu filho e ele ajudou-me a levantar e a segurar-me à parte de cima da porta do meu quarto. Fiquei pendurada e pedi-lhe para me puxar um pouco para baixo para aliviar a dor. Mas olhe, até parece que ouvi um estalinho. Tive muito azar. Acabei por ficar de cama durante 3 meses com duas hérnias discais. Passei bem mal dessa vez!...
Felizmente ouvi chamar pelo meu nome e consegui sair a tempo de esconder um sorriso divertido que ameaçava alargar-se pela cara toda
16 comentários:
Esse é um daqueles "encontros" de que é difícil escapar ... ilesa! :-)
Beijos
Olha amiga, lá vou ter que medir os braços, mas com algum esforço porque ando cheia de dores no ombro direito.
Por acaso ficaste com a morada da cuja dita senhora que trata destes assuntos????
Aparece-te cada uma...
Rsrsrs.
Bj.
O bucho virado é uma expressão bem conhecida da minha infância! Vomita-se tudo o que se come e começa-se a ficar com a cara meio para aquela cor esverdeada de mal-estar. A minha mãe quando nos via assim, fazia-nos uma massagem na barriga, no sentido dos ponteiros do relógio, com azeite (era o que emoliente que havia! se fosse hoje, poderia ser com óleo de massagem daqueles que cheiram a jasmim ou a ylang-ylang!). Sempre funcionou muito bem, ganhávamos logo a vontade de comer e paravam os vómitos. A verdade é que os médicos não aceitam as medicinas tradicionais mas esta da massagem ao "bucho virado" tem resultados eficazes!
Ai amiga...tenho a espinhela caída... Não é que tenho o braço esquerdo mais comprido??!! Não me marcas uma consulta com essa senhora?
Engraçado, todos esses termos me são familiares. Na minha aldeia havia uma senhora que também tinha dotes de curandeira.
Recorriam a ela, muitas vezes, para "cortar" o cobrão (acho que é esse o termo).
Beijinho com desejos de boa semana.
O que é certo é que a medicina convencional não deve olhar com demasiado desprezo estes conhecimentos tradicionais - por vezes, escondem, no seu empirismo, verdadeiros meios de cura. Há é que ter bom senso... e, por vezes, pachorra...
A Malu descreveu muito bem o que é o bucho virado e a forma de o tratar.
Acho que andaste a falar com uma senhora da Madeira. Gomitar e bucho virado são expressões bem madeirenses. Mas olha que isso resulta mesmo (quando é feito por pessoas que sabem). Minha mãe tratou-nos muitas vezes do bucho virado. Perto da minha casa havia uma curandeira dessas. Nós olhávamos para ela com alguma descrença, mas sempre que tínhamos algum mal, lá íamos à D. Ângela. Minha mãe nunca foi de acreditar muito em médicos. Tratou-nos sempre com medicina alternativa e olha que teve sete filhos, todos "escorreitos" (de saúde). Pois bem! Um dia, uma das minhas irmãs caíu da bicicleta e magoou-se num braço. Lá foi minha mãe chamar a D. Ângela. A velhota chegou, apalpou ligeiramente o cotovelo da minha irmã e disse logo: "Não mexo nisso. Está fendido!" Minha mãe lá se resignou a levar a minha irmã ao hospital. Teve de ser operada, colocaram-lhe "parafusos" no osso, porque tinha o cotovelo partido em dois lados. A partir daí passei a olhar a D. Ângela com mais respeito. Nunca pedia um tostão pela "consulta". Cada um dava o que podia. Há gente do povo que sabe muita coisa.
Sabes como é que minha mãe nos trata de feridas com pus? De hemorróidas? Com cera de abelha derretida em azeite. Se quiseres dou-te a receita. É fácil de fazer e, garanto-te, resulta. No caso das feridas tem duas funções: primeiro, retira o pus todo. Segundo, começa a curar de dentro para fora. É um bom cicatrizante, também.
bjs e não sejas tão descrente! Se calhar essa mulher tratava-te da doença que te levou ao médico! Resta saber o que é que ela lá estava a fazer. Se calhar, a roubar doentes ao médico. lol
Quem não vai medir os braços sou eu... não vá o raio da mulher aparecer-me pr' aí para me "consertar" a espinhela...
Ana,
de certeza que tenho a espinhela caída. E se for só a espinhela... até tenho sorte! LOL
Há muita sabedoria na experiência popular (misturada muitas das vezes, é claro, com rituais que pouco acrescentam à melhoria do paciente! - Mas tal como em qualquer ritual... um pouco encenação, carregada de simbolismo, quase torna credível o inacreditável!)
re: Eu também adoro nevoeiros (desde que não sejam os das discotecas!) e quanto à voracidade da poesia, referia-me à sua capacidade de tudo lhe servir de alimento, a felicidade e a desgraça, a opulência e a miséria.
Quanto ao poeta... um pouco de "autoconsumo", também não lhe causará muito dano! ;)
Bjs
Marcamos presença!
Olha só: uma espinhela caída no Brasil acabou por encontrar-se com outra de Portugal. Obrigado pelo seu comentário no meu blog, e espero sua visita sempre. Vou virar assíduo leitor de suas crônicas também, que achei ótimas! Parabéns!
adorei este texto, a sabedoria de um a e de outra , as crenças tradicionais e tudo o mais; embora haja uma certa dose de verdade em tudo isto, antigamente era o que vigorava nas aldeias onde o médico nao chegava nunca, há tb q ter um certo cuidado, claro. Mas nos médicos também q tantas vezes nos enfrascam em medicamentos q ainda nos fazem pior...
A "sabedoria popular" é muito engraçada. As rezas não farão mal certamente e Deus ajudará.
Beijinhos.
Ai menina! … cá p’ra mim acho que tenho que te fazer umas rezas p’ra t’afastar o mal do “trezourelho”, que nem sei se é assim que se escreve. (eh eh eh)
Penso, mas não tenho a certeza, que o mal do “trezourelho” é assim como que “mau olhado” ou coisa assim.
Beijitos
São 00:59,estou com a espinhela caída a dois dias.O médico não resolveu nada!quem dera eu ter alguém por perto para me ajudar com esse problema!
As vezes quando o problema e com a gente,passamos a acreditar em curas através de curandeiras.
Não critique essa mulher por achar que você por ter estudo saiba mais do que ela.
Irmãos podem acreditar...mudarão suas vidas..pois a oração feita por quem tem a fé...e sensibilidade natural...cura...a espinhela caída..é bastante interessante..veja´pra crer...vc vai ver que o mundo e vida é simples..não precisa ir bem longe,...tudo está aqui..e por mãos de uma simples rezadeira..o referido é verdade e dou fé.
AJUDA!!!
A minha bebe de 8 mesinhos tem o bucho virado, tudo o que bebe ou come vem fora, seja leite, agua, papas, ate os xaropes!
Isto foi da noite para o dia poix ela tava bem e coitadinha ate me mete pena ver ela sempe cheia de fome poix sempre foi de comer tudo e mais alguma coisa!
Tou na inglaterra nao sei o que fazer pois os ingleses nao percebem dessas coisas e so receitam xaropes que nao lhe vao fazer nada pois ela engole e nao demora 2 minutos para vir tudo fora!
AJUDA
Enviar um comentário