2007-01-19

Chá de Príncipe

Posted by Picasa No Verão passado, a minha irmã ofereceu-me um vasinho com um pequeno pé de uma planta chamada Príncipe ou Chá de Príncipe (mesmo antes da sua infusão).
É uma planta herbácea da família das Poaceae (gramíneas), nativa das regiões tropicais da Índia, conhecida pela designação latina de Cymbopogon citratus e com um aroma a limão que lembra a Lúcia-lima, Bela-Luísa ou Limonete (Aloysia triphylla), uma vez que ambas têm um componente químico denominado citral.
Além do citral também tem mirceno, ácido acético e outros e por isso é usada em medicina caseira como analgésica , anti-pirética, bactericida, estomacal, expectorante, estimulante lácteo, hepato-protector, estimulante da circulação periférica, calmante e anti-depressiva.
Era um desejo antigo, conseguir adaptá-la a este clima com geadas muito intensas e nada suportáveis para uma planta habituada ao calor e à humidade. A nossa primeira preocupação foi mudá-la para um vaso maior onde se sentisse mais confortável e a partir daí tem vindo a ser apaparicada inclusive abrigando-a dentro de casa quando chega a noite. Gostou da mudança do vaso e criou uma série de novos pés cheios de força como podem ver na foto.

Os Sentidos da Memória

Conhecia perfeitamente aquela dificuldade em respirar, aquela força invisível que lhe apertava dolorosamente o peito. E lembrou-se da menina com olhos inocentes que imaginava o seu mundo grandioso, perfumado, doce, macio e melodioso, e daquele dia/noite, em que esse mundo magnífico foi invadido pelo espanto e pelo medo, ficando para sempre corrompido. Reconhecia estes tentáculos que desde então emergiam do fundo de si, torturando-a durante dias até se desvanecerem lentamente. Olhava frequentemente o relógio, ansiando pelo momento da saída.
Ao chegar à rua viu-o no carro, esperando-a: Desculpa mas estou muito em baixo, só me apetece desaparecer daqui. Vou para casa.
E ele disse apenas: Eu levo-te!
Sentou-se no carro, fechou os olhos e seguiram calados. Passado algum tempo, o carro parou...


Ela abriu os olhos sentindo um cheiro forte no ar: Onde estamos? No Guincho!- respondeu ele - Vem que tenho uma surpresa para ti.
Estava um cair de tarde agradável com um vento morno que vinha do mar e se roçava em tudo e em todos. Ele abriu a porta do seu lado e baixando-se tirou-lhe os sapatos, tirando os dele também. Foi ao porta bagagens e pegou numa mochila que pôs às costas. Deu-lhe a mão e escorregaram pelas dunas de areia, de pés descalços em direcção ao mar. Este com os seus ímpetos revoltos desabava toneladas de água que faziam estremecer o solo. Ela parou ao vê-lo andar para a frente e para trás como se procurasse algo. De repente ele disse: Ficamos aqui!
Pôs-se de joelhos, começou a escavar a areia, depois amontoou-a e alisou-a por cima fazendo uma espécie de banca. Abriu a mochila tirou uma toalha branca guarnecida com pequenas cerejas vermelhas bordadas à mão que estendeu sobre a mesa de areia, passando-lhe a mão por cima. E disse: Senta-te! E ela sentou-se esboçando o primeiro sorriso desse dia.
Tornou a abrir o saco e tirou duas chávenas de porcelana branca com uma grinalda de folhinhas verdes e douradas pintada no topo, colocou-as em cima dos pires e estes em frente de cada um deles. A seguir apareceu um açucareiro de vidro com cubos de açúcar, duas colherzinhas, uma lata azul com biscoitos de canela, a depois um rádio a pilhas que sintonizou na Antena 2.


…e por fim um termo que continha um chá fumegante que verteu em cada uma das chávenas. Um aroma jovial entrou pelas suas narinas. Que chá é este, tão perfumado? É chá de Príncipe! Bebe e vais sentir-te feliz!
E ficaram os dois calados, olhando o mar grandioso, sorvendo pequenos goles de chá que exalava um perfume cítreo, saboreando a doçura dos bolinhos, com os pés enterrados na areia macia e ouvindo o Amanhecer de Peer Gynt com um sorriso enorme desenhado em cada um dos nossos rostos.

(Dedicado ao meu amigo Didi)

2007-01-10

O que tem que ser... tem muita força

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A gata Maria foi-me oferecida há mais de 10 anos juntamente com dois filhotes. Estes que já eram praticamente adultos, desapareceram passadas umas semanas e ela manteve-se sempre aqui tomando conta das ninhadas seguintes que escondia no palheiro até nos mostrar as crias já com os olhitos abertos, bamboleando-se nas patas e com as caudas espetadas para o ar. Nunca foi uma gata de colo, gostando de marcar as distâncias que existiam entre ela e nós. Mas ainda que tão arisca, sempre foi uma gata simpática.
Um dia estavamos a sair para mostrar os arredores a um grupo de amigos e vimos a Maria caminhando com muita dificuldade na nossa direcção. Saímos dos carros e fomos ver o que se passava. Tinha uma das patas traseiras com fractura exposta e a pele da barriga com uma série de cortes profundos o que dava a entender que teria caído numa armadilha para coelhos.
Com a ajuda e as opiniões de todos, pusemos uma tala na pata feita com pedaços da cana cortada, envolta em algodão e gaze para não magoar, tratámos os ferimentos da barriga com Betadine, pusemo-la no caixote onde costumava dormir e saímos mais descansados.
Todos os dias desinfectavamos as feridas que começaram a sarar rapidamente. Agora a pata é que estava a preocupar-nos porque a gata parecia inquieta, sempre a tentar lamber, sinal que as coisas não estavam bem.
Resolvi ir ver o que se passava. Consegui que a Maria permanecesse deitada (era engraçado que ela sabia muito bem que estava a ser tratada e nessas alturas não fugia) e tirei as ligaduras, as canas e o espectáculo que vi deixou-me arrasada: o osso não tinha consolidado, as duas partes da pata estavam só ligadas por uns fios grossos e brancos que deviam ser os tendões e o cheiro a podre que emanava da pata, não prenunciava nada de bom.
Fiquei a olhar para o animal e fui-lhe fazendo festinhas enquanto pensava nas hipóteses que tinha. De repente decidi actuar. Fui buscar algodão, gaze, água oxigenada, Betadine e uma tesoura que tinha comprado há poucos dias.
Chamei um rapaz que trabalhava na quinta, moço com vinte e poucos anos e que além do trabalho que fazia aqui, ainda era jardineiro por conta própria e bombeiro voluntário. Quando ele apareceu junto de mim, pedi-lhe para agarrar bem na gata Maria pelo cachaço de forma a ficar com as patas penduradas.
Segurei-lhe na pata esfacelada e com um movimento rápido de tesoura, cortei-lhe os tendões de uma só vez. A gata deu um berro que se deve ter ouvido a uma distância enorme e parte da pata caiu no chão. Reparei que o animal baloiçava perigosamente e quando olhei para o rapaz, este estava de olhos revirados, com o corpo a oscilar perigosamente e em risco de me deixar cair a Maria no chão.
Dei-lhe um grito:
-Ei!!! Mas que é isso, homem?? Segure lá na gata como deve ser!! Ai, mas que raio de bombeiro tenho aqui?!!
Ele recuperou quase de imediato. Olhou para mim de olhos esbugalhados com a cara mais branca que um lençol, entregou-me a gata e desatou a fugir.
Ainda me deixei rir com a bicha ao colo. Deitei-a em cima do muro, desinfectei-lhe o corte que nem sequer sangrou, tive o cuidado de cheirar a pele que não cheirava a podre como a parte decepada, pus-lhe uma gaze ensopada em Betadine e, para a poder seguir durante a convalescença, abriguei-a no sótão com um caixotinho forrado com uma manta, um prato com pedaços de carne, outro com leite e uma tigela com água fresca. E depois de uma cirurgia tão traumatizante, a gata Maria comeu a carne, bebeu o leite e deitou-se no caixotinho a ronronar, agradecida.
Foi muito rápida a recuperação. O corte fechou completamente e com o tempo até se cobriu de pêlo. Passados poucos dias já a Maria corria feliz atrás das lagartixas.

2007-01-07

Uma Boa Notícia

Posted by Picasa Um blog é realmente uma ponte muito forte ligando as pessoas que o escrevem às que o lêem de uma forma completamente imprevisível.
Comentámos isso ao recebermos há pouco a seguinte mensagem de um senhor que não conhecemos:
“Boa noite Ana,
Pois fique sabendo que brevemente este Paço de Figueiredo das Donas será recuperado, como merece, depois de tantos anos de abandono. Estou a concluir o processo de aquisição e em breve começarei com as obras. Se ainda mantiver o blog virei aqui convidá-la para a inauguração, como forma de agradecer o seu interesse por esta pequena parcela de história.”
A satisfação que sentimos foi enorme. Pela notícia em si e pelo cuidado que este senhor teve em nos informar da grande volta que o Paço vai ter em breve no sentido da recuperação e que esperamos muito sinceramente com a preocupação de respeitar a traça antiga e os seus espaços exteriores.
Tirou-nos um peso de cima dos ombros pois desde a visita que relatámos aqui no Post intitulado “Figueiredo das Donas e o Crocus Romano”, ficámos com aquele bichinho infiltrado: Será que um dia poderemos adquirir o Paço e restaurá-lo de uma forma condigna? Era um sonho daqueles muito longínquos mas que nos fazia sorrir durante o sono :))))

Muitos parabéns pela feliz aquisição e teremos muito prazer em corresponder ao convite para visitarmos o Paço quando estiver completamente recuperado.
Um abraço

2007-01-05

A Passagem de Ano e a Sombra do General

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Desta vez não nos apeteceu fazer a Passagem de Ano com os amigos, conversando, comendo, bebendo, dançando, tudo festejado com grandes sorrisos e francas risadas. Queríamos estar calmos, em reflexão, pensando na vida e naqueles que recentemente se ausentaram em definitivo da nossa companhia. Resolvemos sair de casa e passar o ano sozinhos num sítio simpático. Escolhemos o Hotel Astória em Coimbra, um hotel antigo, modesto mas com uma cozinha divinal. Não havia Réveillon. Jantámos numa sala cheia de pessoas com as mesmas aspirações que nós. O jantar foi óptimo como era esperado e, enquanto conversavamos sobre tudo, íamos saboreando os pitéus, calmamente, até chegar a meia-noite e recebermos as passas e o espumante para assim entrarmos no Novo Ano como manda a tradição. Depois de um brinde geral, viemos até à rua e estranhámos que Coimbra não comemorasse esta passagem, nem com fogo de artifício, nem com nada. Uma cidade completamente alheada do momento festivo. A nós que também estávamos pouco festivos, não incomodou. Mas via-se o desconsolo na cara das pessoas que jantaram connosco e que esperavam qualquer coisa com luz, cor e estrondo.
Ficámos no quarto 109 do hotel, um quarto pequeno, que segue o contorno arredondado do edifício. Que tem de especial o quarto 109? Nada que pareça de muito interesse, a não ser o facto de ter sido neste quarto que o General Humberto Delgado descansou antes de falar ao povo de Coimbra em plena campanha de 1958. Do lado de fora do edifício e por baixo da estreita varanda que serve este quarto, tem uma placa que diz assim: Desta varanda, Humberto Delgado falou à população de Coimbra em 31 de Maio de 1958.
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Estava-se em plena campanha eleitoral. O General Craveiro Lopes terminara o seu mandato. Salazar deixou de confiar nele e resolveu apoiar a candidatura do Almirante Américo Tomás. Humberto Delgado decidiu candidatar-se como independente à Presidência. Foi uma campanha ferozmente perseguida e reprimida pela PIDE e as manifestações de apoio eram massacradas pela PSP e GNR.
No seu programa como candidato, H. Delgado propunha vários pontos com evidentes marcas liberais: reintegração dos funcionários afastados do serviço por motivos políticos, liberdade de expressão e de associação, amnistia a todos os presos políticos, eleições gerais livres a curto prazo e moralização dos costumes políticos e da administração pública.
As eleições presidenciais tiveram lugar a 8 de Junho de 1958. Américo Tomás foi eleito, embora muita gente acreditasse que teria sido à custa de actos fraudulentos. Entretanto começaram a surgir represálias cada vez mais apertadas. H. Delgado pede asilo político ao Brasil, o que lhe foi concedido. Mais tarde entra clandestinamente em Portugal acompanhado pela secretária Arajaryr Moreira Campos com a intenção de se juntar aos conspiradores que preparavam uma revolta em Beja na passagem do Ano. Fracassada a revolta, H. Delgado conseguiu fugir para Espanha, mais tarde parte para a Checoslováquia e depois para Argel. Entretanto a PIDE começou a organizar uma armadilha, aliciando indivíduos que se fizessem passar por exilados políticos para assim ganharem a confiança de H. Delgado. Este não se apercebeu do logro e marcou uma reunião em Badajoz para 13 de Fevereiro de 1965. H .Delgado saiu de Argel com Arajaryr e dirigiram-se para o local de encontro hospedando-se num hotel. Entretanto saiu um carro de Lisboa com destino também a Badajoz e com 4 elementos da PIDE. Quando os dois carros se encontraram num ponto isolado da estrada entre Badajoz e Olivença, H. Delgado saiu do carro, confiante, sendo imediatamente abatido com um tiro na cabeça. A seguir mataram a secretária. Os corpos foram metidos nos porta-bagagens dos carros, levados para uma zona próxima de Villanueva del Fresno e depois de despidos e despojados de documentação, lançados a uma vala, cobertos com cal viva, regados com ácido sulfúrico e enterrados.

Mais tarde, em 1990 foi nomeado a título póstumo, Marechal da Força Aérea e os seus restos mortais, vindos de Villanueva del Fresno, depositados no Panteão nacional.