Sem forças e meio entontecida, a gaivota cabeceava de olhos
fechados, com as patas a afundarem-se na areia, arrastada pelo recuo das
pequenas ondas denunciadoras das grandes que cresciam atrás.
Parecia que alguma coisa de grave se passava com ela porque
estava quase imóvel e em perigo de ser embrulhada na agitação da maré que
crescia.
Ao pressentir que alguém caminhava na sua direcção, acordou
daquela apatia e foi desferindo golpes com o bico, agarrando e torcendo a pele
do braço que se aproximava para a recolher.
Mas esse alguém estava determinado a perceber o que se
passava e sem se amedrontar com todo aquele ataque defensivo, pegou
cuidadosamente no seu corpo.
E a gaivota parou de bicar, confundida com aquela estranha sensação
de se ver embalada nos braços de um ser humano que a levava, sem esforço, como
se ondulasse sobre o mar.
Encostada a esse corpo morno, apercebeu-se que se estava a
afastar do mar e isso perturbou-a tentando arrancar com o bico aqueles dedos-tentáculos
que se aproximavam várias vezes para lhe acariciar a cabeça e o corpo.
Foi transportada assim, por alguns minutos, apavorada com o caminho
desconhecido e por ouvir o som do mar cada vez mais longe.
Por fim pararam e sentiu que a poisavam sobre qualquer coisa macia.
.
… e foram-na virando, abrindo as penas, inspeccionando o seu
corpo, esticando e encolhendo as patas, erguendo-a no ar enquanto ela batia as
asas para se equilibrar, abriram-lhe o bico e uns olhos, que lhe devem ter
parecido enormes, aproximaram-se e espreitaram para dentro da garganta procurando
algo que a estivesse a prejudicar. Mas nada foi encontrado.
E ela sempre na defensiva, atacando tudo o que lhe era
desconhecido
Por fim puseram-na em frente de peixe fresco e vendo o seu desinteresse,
obrigaram-na a comer, abrindo o bico à força e metendo um pedaço do peixe que
empurraram para dentro, uma vez que ela não queria deglutir.
Talvez por isso não insistiram mais e ela deixou de repelir à
bicada a mão que se aproximava, por se sentir com menos forças a cada minuto
que passava e, ao ver que permanecia naquele ambiente estranho, sem mar e sem areia, começou a
entrar em pânico, estrebuchando naquele colo e batendo as asas que não conseguiam
elevá-la para a viagem de regresso.
Mas, adivinhando a sua angústia, pegaram nela de novo
e recomeçaram a caminhar, sentindo de novo o ondular do corpo encostado ao seu, e, de
olhos semi-cerrados, percebeu pelos sons e aromas conhecidos, que estava a ser levada para a sua praia.
Caminharam assim imenso tempo, até que a poisaram na areia,
virada para o mar.
Alguém misturou os sons de um cântico com o som do mar e a
mão aproximou-se, desta vez sem ser repelida, para a colocar numa posição mais confortável,
ajeitar-lhe as asas e as penas.
E certamente reparou na despedida respeitosa que não evitou um ligeiro estremecer da areia onde estava deitada.
Abriu um pouco os olhos e deve ter-se apercebido do encher da maré…
E quem sabe se desejou a chegada das ondas
amigas em que erguendo-a delicadamente da areia a
levassem consigo para a ilha paradisíaca a meio do oceano onde os peixes eram
muitos e variados, o mar calmo, o sol sempre quente e onde iria encontrar as
gaivotas suas amigas que tinham partido antes dela.